Ele foi um mestre para nós, mesmo quando estava morrendo!

“Seus olhos ainda brilhavam:
‘Antonio’, eu disse, ‘coragem! O que você tem?’ Ele não soube me responder: aquelas poucas palavras que nos manteve juntos por tantas horas estava emudecida! Eu o abracei. Ele olhou para mim e chorou. Finalmente, enquanto eu vigiava ansiosamente os seus lábios, depois de uma hora e com um esforço sobre-humano, ele conseguiu balbuciar: ‘Mario, tenho sorte de poder morrer nos braços de um camarada, que um dia poderá dizer aos operários como eu os considero’. Essas palavras ficarão guardadas no meu coração até os últimos momentos da minha vida.

O diretor da prisão, o médico e o capelão chegaram.

O médico não escondeu, com evidente desdém, a gravidade do caso:
‘Veja, Gramsci’, disse ele, com um sorriso malicioso, ‘suas condições são o que são… Você não pode mais resistir ao regime carcerário, aceite o perdão oferecido pelo Duce…’

O padre interveio: ‘Pense na sua mãe’, disse ele, ‘Pense nos seus filhos’.

Gramsci conseguiu levantar o braço, como costumava fazer nos momentos de irritação e, partindo o ar com a mão estendida, falou com a voz fraca:
‘Você, capelão, é o guardião das almas, não é? Existem duas vidas: a do espírito e a da matéria, certo? Qual você quer que eu salve? O perdão poderia salvar meu corpo, mas mataria meu espírito. Você compreende?’

Gramsci, arrastou a sua vida por mais quatro anos. Ele defendeu seu espírito até a morte, socraticamente.

Ele foi um mestre para nós, mesmo quando estava morrendo!”

Recordações de Mario Garuglieri, companheiro de cárcere de Gramsci.

Società, n. 7-8, 1946

130 anos do nascimento de Antonio Gramsci!

130 anos do nascimento de Antonio Gramsci!
Gigante dirigente e teórico da classe trabalhadora!
Gramsci, presente, sempre!

“Os privilégios e as diferenças sociais, sendo produtos da sociedade e não da natureza, podem ser superados. A humanidade necessita de um outro banho de sangue para cancelar muitas destas injustiças: e, quando isso ocorrer, que os dominantes não se arrependam por terem deixado as massas no estado de ignorância e de ferocidade em que se encontram agora.” (Oprimidos e opressores, novembro de 1910, ensaio escolar)

“Instrui-vos porque teremos necessidade de toda vossa inteligência. Agitai-vos porque teremos necessidade de todo vosso entusiasmo. Organizai-vos porque teremos necessidade de toda vossa força.” (L’Ordine Nuovo, 10/05/1919, periódico dirigido por Gramsci)

“[…] quantas vezes me perguntei se era possível o ligar-se a uma massa se jamais se havia gostado de alguém, nem mesmo dos próprios parentes, se era possível amar uma coletividade se não se era amado profundamente por criaturas humanas. Não teria isso todo um reflexo sobre a minha vida de militante, não teria isto esterilizado e reduzido a um mero fato intelectual, a um puro cálculo matemático a minha qualidade de revolucionário?” (Carta a Giulia Schucht, 6/3/1924)

“O elemento popular ‘sente’, mas nem sempre compreende ou sabe; o elemento intelectual ‘sabe’, mas nem sempre compreende e, menos ainda, ‘sente’.[…] O erro do intelectual consiste em acreditar que se possa saber sem compreender e, principalmente, sem sentir e estar apaixonado. […] [O intelectual] deve sentir as paixões elementares do povo, compreendendo-as e, portanto, explicando-as e justificando-as em determinada situação histórica, bem como relacionando‐as dialeticamente com as leis da história, com uma concepção do mundo superior, científica e coerentemente elaborada, com o ‘saber’; não se faz política‐história sem essa paixão, isto é, sem esta conexão sentimental entre intelectuais e povo‐nação. Na ausência deste nexo, as relações do intelectual com o povo‐nação são, ou se reduzem, a relações de natureza puramente burocrática e formal; os intelectuais se tornam uma casta ou um sacerdócio […].” (Q11, § 67, 1932-1933, Cadernos do Cárcere)

“Il comunismo non obscurera’ la belleza e la grazia…”

FILOSOFIA DA PRÁXIS

Por Nicola Badaloni

O conceito de “práxis”, como agir individual e social, está no centro de toda a filosofia inaugurada por Karl Marx e pelo seu modo de abordar os problemas da produção e da ciência. Nos chamados Manuscritos econômico-filosóficos de 1844, que Gramsci não teve a possibilidade de conhecer, Marx escrevia: “Assim como a sociedade produz o homem enquanto homem, ela é produzida por ele”. Essa idéia de que a “produção” ou “práxis humana” engloba não apenas o trabalho, mas também todas as atividades que se objetivam em relações sociais, instituições, carecimentos, ciência, arte, etc., atravessa todo o pensamento de Marx e constitui o seu princípio fundamental.

Antonio Labriola desenvolveu este aspecto, afirmando — num de seus ensaios sobre A concepção materialista da história — que o materialismo histórico “parte da práxis, ou seja, do desenvolvimento da operosidade; e, como é teoria do homem que trabalha, considera a própria ciência como um trabalho”. Para Labriola, “todo ato de pensamento é um esforço, ou seja, um novo trabalho”, ao passo que “o trabalho realizado, ou seja, o pensamento produzido, facilita os novos esforços voltados para a produção de um novo pensamento”.

Esta premissa serve para demonstrar que o termo “filosofia da práxis”, do qual fala Gramsci, não é um expediente lingüístico, mas uma concepção que ele assimila como unidade entre teoria e prática. Discutindo sobre a undécima tese de Marx, que propõe mudar o mundo e não mais interpretá-lo, Gramsci escreve nos Cadernos que essa tese “não pode ser interpretada como um gesto de repúdio a qualquer espécie de filosofia”, mas como “enérgica afirmação de uma unidade entre teoria e prática. […] Deduz-se daí, também, que o caráter da filosofia da práxis é sobretudo o de ser uma concepção de massa”. E, em outro local, repete: “Para a filosofia da práxis, o ser não pode ser separado do pensamento, o homem da natureza, a atividade da matéria, o sujeito do objeto; se essa separação for feita, cai-se numa das muitas formas de religião ou na abstração sem sentido”.

A unidade de teoria e de prática serve a Gramsci para delinear uma série de conceitos científicos capazes de interpretar o mundo que lhe era contemporâneo (hegemonia, bloco histórico, novo senso comum, conformismo de massa em sua ligação com novas formas de liberdade individuais e coletivas, revolução passiva, etc.).

Aqui, numa formulação geral, iremos nos limitar às seguintes considerações sobre a filosofia da práxis:

1) Nem a filosofia da práxis nem nenhuma ciência a ela ligada nos permitem fazer previsões que tenham caráter determinista. Há um único modo possível de prever: aquele que vê a previsão como um ato prático que implica a formação e a organização de uma vontade coletiva. Desta tese, Gramsci deduz sua crítica a Croce, na medida em que a religião crociana da liberdade não contribui para a criação de resultados previsíveis, já que evita formular um projeto de transformação e uma vontade política correspondente a tal projeto. Essa mesma teoria da “previsão” põe em crise as concepções deterministas típicas do cientificismo da Segunda Internacional, que são também fonte de passividade.

2) A vontade de que fala Gramsci (e, portanto, a práxis) não é algo em estado puro, mas contém os elementos materiais que o próprio homem objetivou. Isso significa, em primeiro lugar, que a filosofia da práxis é, para Gramsci, a consciência plena das contradições da sociedade que lhe era contemporânea, de modo que — como ele diz nos Cadernos — “o próprio filósofo, entendido individualmente ou como todo um grupo social, não só compreende as contradições, mas põe a si mesmo como elemento da contradição, eleva este elemento a princípio de conhecimento e, portanto, de ação”.

Ciências do homem (distintas entre si) e também ciências da natureza, para além da sua independência recíproca, encontram um momento de unidade, ao se tornarem política. Gramsci sintetiza isso nos seguintes termos: “A filosofia da práxis é o ´historicismo absoluto`, a mundanização e terrenalidade absoluta do pensamento, um humanismo absoluto da história”. Para entender esta última afirmação, o leitor deverá recordar a tese acima mencionada sobre a verdade como correspondência a uma realidade objetivada pelo próprio homem.

3) Gramsci define “o homem como uma série de relações ativas (um processo)”, de modo que ele “não entra em relação com a natureza simplesmente pelo fato de ser ele mesmo natureza, mas ativamente, por meio do trabalho e da técnica”. Em outras palavras, todo indivíduo “não só é a síntese das relações existentes, mas também da história dessas relações, ou seja, é o resumo de todo o passado”. Como é possível mudar o mundo se o indivíduo depende de tal modo do seu passado? A resposta de Gramsci é que “o indivíduo pode se associar com todos os que querem a mesma mudança; e, se essa mudança for racional, o indivíduo […] pode obter uma mudança bem mais radical do que aquela que, à primeira vista, pode parecer possível”.

Concluindo, a filosofia da práxis é, para Gramsci, construção de vontades coletivas correspondentes às necessidades que emergem das forças produtivas objetivadas ou em processo de objetivação, bem como da contradição entre estas forças e o grau de cultura e de civilização expresso pelas relações sociais. Está implícita nela, que aparece como uma concepção filosófica, uma série de ciências da natureza e do homem. Tomadas isoladamente, tais ciências podem ser consideradas como independentes; consideradas como expressão da possível contradição entre atividades criativas e relações comunicativas de tipo social, passam a fazer parte da filosofia da práxis e, desse modo, podem influir sobre a política, isto é, sobre aquelas mudanças que nos fazem entrever um novo modo de viver e níveis superiores de civilização.

 Fonte: Gramsci e o Brasil