CARTA DE ANTONIO GRAMSCI À MÃE

CARTA DE ANTONIO GRAMSCI À MÃE, ENVIADA DO CÁRCERE DE MILÃO.
(10 de maio de 1928)

Querida mamãe,

Estou prestes a partir para Roma. Agora é certo. Esta carta me foi autorizada exatamente para lhe anunciar a transferência. Por isso, escreva-me para Roma daqui por diante e até que lhe avise sobre alguma outra transferência.
Ontem recebi uma carta registrada de Carlo, de 5 de maio. Ele me escreveu que vai mandar uma fotografia sua: ficarei muito contente.
Neste momento, já deve ter chegado a fotografia de Delio que espedi há uns dez dias, registrada.
Querida mamãe, não queria repetir tudo o que já escrevi muitas vezes para tranquiliza-la sobre as minhas condições físicas e morais. Para ficar realmente tranquilo, gostaria que não se assustasse ou se perturbasse muito, seja qual for a condenação que me deem. Que compreendesse bem, até mesmo com o sentimento, que sou um preso político e serei um condenado político, que não tenho e nem terei do que me envergonhar nesta situação. Que, no fundo, eu mesmo quis a prisão e a condenação, de certo modo, porque nunca quis mudar as minhas opiniões, pelas quais estaria disposto a dar a vida e não só a ficar na prisão. Que, por isso, só posso estar tranquilo e satisfeito comigo mesmo. Cara mamãe, gostaria de abraça-la bem apertado para que sentisse quanto lhe quero bem e como queria consolá-la por este sofrimento que lhe dei: mas não podia agir de outra maneira. A vida é assim, muito dura, e os filhos devem às vezes trazer grandes sofrimentos para suas mães, se querem conservar sua honra e a sua dignidade de homens.

Abraços carinhosos,

Nino

A FLOR E A NÁUSEA

Por Carlos Drummond de Andrade

Preso à minha classe e a algumas roupas,

vou de branco pela rua cizenta.

Melancolias, mercadorias, espreitam-me.

Devo seguir até o enjôo?

Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:

Não, o tempo não chegou de completa justiça.

O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.

O tempo pobre, o poeta pobre

fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.

Sob a  pele das palavras há cifras e códigos.

O sol consola os doentes e não os renova.

As coisas. Que triste são as coisas, consideradas em ênfase.

Vomitar este tédio sobre a cidade.

Quarenta anos e nenhum problema

resolvido, sequer colocado.

Nenhuma carta escrita nem recebida.

Todos os homens voltam pra casa.

Estão menos livres mas levam jornais

e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?

Tomei parte em muitos, outros escondi.

Alguns achei belos, foram publicados.

Crimes suaves, que ajudam a viver.

Ração diária de erro, distribuída em casa.

Os ferozes padeiros do mal.

Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.

Ao menino de 1918 chamavam anarquista.

Porém meu ódio é o melhor de mim.

Com ele me salvo

e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!

Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.

Uma flor ainda desbotada

ilude a polícia, rompe o asfalto.

Façam completo silêncio, paralisem os negócios,

garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.

Suas pétalas não se abrem.

Seu nome não está nos livros.

É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde

e lentamente passo a mão nessa forma insegura.

Do lado das montanhas, nuvens macias avolumam-se.

Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.

É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.