O CENTAURO IMPERIAL E O “PARTIDO” DOS ENGENHEIROS

O CENTAURO imperial e o “partido” dos engenheiros: A contribuição das concepções gramscianas para a noção de Estado ampliado no Brasil Império

Pedro Eduardo Mesquita de Monteiro Marinho

Museu de Astronomia e Ciências Afins / PPGH – UNIRIO

“Quem passa na Avenida, à tarde, ali, no canto dela com a Rua Sete de Setembro, encontra um portão largo, que, em arquitetura, tem um nome especial e duro, cheio de velhos gamenhos, derretidos em sorrisos para as mulheres que passam. Esses velhos aos quais se juntam alguns moços, ainda mais gamenhos, são engenheiros ou cousa parecida, e o lugar, a casa, o portão – tudo isso é o Clube de Engenharia. É uma instituição ainda pior do que a Associação Comercial. É nela que se fazem, se ultimam, se homologam as maiores vergonhas administrativas do Brasil.”                                                                                                            Lima Barreto

Introdução

O objetivo deste trabalho é revisitar algumas formulações gramscianas sobre Estado e, ao mesmo tempo, auxiliar na construção de subsídios teóricos à pesquisa mais ampla, em andamento[2], sobre os engenheiros brasileiros e suas relações de classe ao longo da segunda metade do século XIX.  Foi partindo desta análise historiográfica que o estudo citado está balizado pela concepção de “Estado ampliado”. A partir desta matriz gramsciana, considera-se no Estado imperial não somente seus aparelhos de coerção – que visam e possibilitam uma dominação – mas também sua capacidade de produzir e reproduzir uma direção moral, intelectual e, portanto, cultural. Tal perspectiva ajuda a pensar como os engenheiros brasileiros construíram suas práticas e representações frente aos grupos organizados da sociedade civil a que estavam vinculados e, ainda, o que disputavam e como asseguravam sua presença nas diversas agências do Estado.

Outra importante contribuição ao estudo de agentes deste tipo é a noção de intelectual demarcada por Gramsci. De acordo com Gramsci, a história de um país sempre deve levar em conta a atuação dos intelectuais. Esta visão é fundamental, pois se refere à importância das ideologias e da cultura e, concretamente, a consciência de que todo processo de construção de hegemonia é inviável sem os intelectuais. Assim, os debates ideológicos, culturais, educativos ou científicos mantêm diversos laços com a luta de classes e não podem ser entendidos exclusivamente como um debate epistemológico e profissional entre especialistas. Os agentes deste processo são definidos amplamente como todos aqueles que exercem algum papel de formulação, direção, educação e organização em qualquer esfera da sociedade e não apenas naquelas tradicionalmente restritas ao “mundo das idéias”.

Ao longo da segunda metade do século XIX, as Escolas de Engenharia, o Instituto Politécnico Brasileiro (1862) e, mais tarde, o Clube de Engenharia (1880) desempenharam um papel de destaque no processo dinâmico da formação social brasileira, dado por meio da ascensão social e profissional conseguida graças à formação recebida e ao prestígio que, aos poucos, se fazia sentir do grupo de intelectuais-engenheiros.[3] É, portanto, observando esse contexto histórico que a pesquisa que procuramos desenvolver tem privilegiado a perspectiva organizacional das associações profissionais dos engenheiros e o caráter dinâmico das relações mantidas entre seus integrantes e o Estado imperial brasileiro na metade final do século XIX. Estas associações são analisadas como o locus onde se operou uma mediação profissional e política entre seus agentes e os dirigentes imperiais, constituindo-se em relevantes esferas de negociação e representação. Tal perspectiva possibilita estudar os engenheiros brasileiros como intelectuais em sentido amplo.

As concepções do revolucionário italiano Antônio Gramsci privilegiaram as formas através das quais se assegura o predomínio de um grupo ou fração de classe sobre o conjunto da sociedade nacional inteira, exercido mediante as organizações privadas de hegemonia. O Estado é compreendido como “o organismo próprio de um grupo destinado a criar as condições favoráveis à máxima expansão do próprio grupo” (Gramsci, 2000: 41). O que garante a eficiência desse processo expansivo é não ser identificado como a concretização de interesses exclusivos dos grupos beneficiados, mas como expressão de toda a sociedade.

Uma formação social não consiste apenas num modo de produção garantido coercitivamente pelo “poder do Estado”, mas também em hábitos de vida e pensamento, numa concepção de mundo amplamente difundida pela sociedade na qual se inserem os costumes, a moral, o gosto popular, o folclore, o senso comum e também os princípios filosóficos e religiosos da maioria da população. E é este modo de pensar e agir dos homens e dos governados que se constitui no mais importante suporte da ordem constituída. A “força plena” é uma reserva para os momentos excepcionais, os momentos de crise. Normalmente a hegemonia da classe ou fração de classe dominante se apóia sobre uma complexa combinação de forças políticas, sociais, culturais e em numerosas relações de interdependência, adesão dos governados ao tipo de sociedade em que vivem e sobre o consenso. Gramsci desloca a noção “centáurica”meio homem, meio animal do “Príncipe”, de Maquiavel, para o Estado, denominando-o como instituição composta de força e consenso, de dominação e hegemonia, de violência e civilização. Mas não se trata apenas de uma dualidade justaposta e sim de um processo orgânico complexo, sintetizando o Estado, no conjunto formado pela sociedade política e sociedade civil, em uma noção de “Estado ampliado”.

Gramsci e a “ampliação” do conceito de Estado

Afirmam alguns autores que a pouca operacionalidade das concepções do pensador italiano para estudos sobre o Estado brasileiro resulta do caráter “oriental” da formação social brasileira. Uma sociedade civil “amorfa”, “fraca”, “gelatinosa” ou mesmo “inexistente” e que tal característica seria um traço marcante no Brasil até um passado recente. De imediato, é possível contestar tal assertiva. Para Gramsci, o que é universal é exatamente a capacidade de conhecer concretamente a história específica de uma formação social e, além disso, lembrado por Juan Carlos Portantiero,[4] o próprio Gramsci já havia matizado a noção oriente/ocidente, pensando em “sociedades ocidentais de tipo tardio” ou “ocidente periférico”. Trata-se de assinalar, portanto, a idéia de um processo de ocidentalização que tem a sua historicidade e a complexidade, que pode envolver a simultaneidade de “oriente” e “ocidente”, em uma mesma sociedade. Em uma palavra, é possível pensar o “ocidente” como processo e não apenas como um estágio.

O conceito de Estado, em Gramsci, vem intimamente ligado ao de hegemonia. Gramsci era um político atuante, cujo objetivo era a elaboração de uma nova ordem social e a conquista do poder pelos trabalhadores, mas entendia isso como sendo, antes de tudo, a “criação de uma nova ordem intelectual e moral”:

“Mas, a partir do momento em que um grupo subalterno torna-se realmente autônomo e hegemônico, criando um novo tipo de Estado, nasce concretamente a exigência de construir uma nova ordem intelectual e moral, isto é, um novo tipo de sociedade e, conseqüentemente, a exigência de elaborar os conceitos mais universais, as mais  refinadas e decisivas armas ideológicas.” (Gramsci, 1981: 100).

Para Gramsci, um dos elementos dessa construção é justamente o partido político. Ao partido caberá a “formação de uma vontade coletiva nacional-popular, da qual (…) é ao mesmo tempo o organizador e expressão ativa e atuante” (Gramsci, 1968: 9) e também a missão de preparar a “reforma intelectual e moral” (Gramsci, 1968: 9).

Gramsci procura recuperar para o marxismo a concepção “ético-política” da história, presente em Croce:

“O pensamento de Croce, portanto, deve pelo menos ser considerado como valor instrumental; assim, pode-se dizer que ele chamou energicamente a atenção para a importância dos fatos da cultura e do pensamento no desenvolvimento da história, para a função dos grandes intelectuais na vida orgânica da sociedade civil e do Estado, para o momento da hegemonia e do consenso como forma necessária do bloco histórico concreto” (Gramsci, 1981: 230-231).

Gramsci demonstra que estas questões não eram pouco importantes, tanto assim que figuravam na própria ordem de preocupações de Lênin:

“Que isto não seja ‘fútil’, é o que demonstra o fato de que – contemporaneamente a Croce – o maior teórico moderno da filosofia da práxis, no terreno da luta e da organização política, em oposição às diversas tendências ‘economicistas’, revalorizou a frente da luta cultural e construiu a doutrina da hegemonia como complemento da teoria do Estado-força (…)” (Gramsci, 1981: 231).

O erro de Croce não estava propriamente em analisar o momento ético-político, mas em superestimá-lo, hipertrofiá-lo, em querer construir um modelo histórico puramente ético-político, portanto, especulativo:

“Se é necessário, no perene fluir dos acontecimentos, fixar conceitos, sem os quais a realidade não poderia ser compreendida, deve-se também – aliás, é imprescindível – fixar e recordar que realidade em movimento e conceito da realidade, se podem ser logicamente distinguidos, devem ser concebidos historicamente como unidade inseparável. De outro modo, sucede o que sucedeu a Croce, isto é, a história torna-se uma história formal, uma história de conceitos e, em última análise uma história de intelectuais…” (Gramsci, 1981: 247).

Croce prescindiu “do conceito de bloco histórico, no qual conteúdo econômico-social e forma ético-política se identificam concretamente” (Gramsci, 1981: 233), incorrendo numa “hipóstase arbitrária e mecânica do momento da hegemonia, da direção política, do consenso, na vida e no desenvolvimento da atividade do Estado e da sociedade civil” (Gramsci, 1981: 217). Para Gramsci, a filosofia da práxis não elimina o momento ético, mas o coloca numa justa relação de unidade dialética com a realidade econômico-social e assinala novamente, neste ponto, a contribuição de Lênin, diante do economicismo:

“(…) a filosofia da práxis exclui ou não a historia ético-política, isto é, reconhece ou não a realidade de um momento de hegemonia, dá ou não importância à direção cultural e moral, julga ou não os fatos da superestrutura como ‘aparências’? Pode-se dizer que não só a filosofia da práxis não exclui a história ético-política, como, ao contrário, sua mais recente fase de desenvolvimento consiste precisamente na reivindicação do momento de hegemonia como essencial à sua concepção estatal e à ‘valorização’ do fato cultural, da atividade cultural como necessária, ao lado das frentes meramente econômicas e políticas” (Gramsci, 1981: 219).

Em Gramsci, o enfoque das “ideologias” é um dos mais amplos e profundos no marxismo, assim como o estudo da função dos intelectuais na sociedade. Já se pretendeu que o ponto de vista de Gramsci subvertia as relações que Marx havia verificado entre a base e a superestrutura, passando esta a determinar aquela. Na verdade, Gramsci, mantendo o postulado da filosofia da práxis, combateu as interpretações sobre o pensamento de Marx que, segundo a expressão de Croce, faziam da economia um “Deus oculto” (Gramsci, 1981: 220-221). E, ao mesmo tempo, levou sempre em consideração a unidade material-espiritual que constitui toda formação social, expressa no conceito de “bloco histórico”, ou seja, “unidade entre a natureza e o espírito (estrutura e superestrutura), unidade dos contrários (…)” (Gramsci, 1968: 12).

Gramsci desenvolve este conceito:

“A afirmação de Croce de que a filosofia da práxis ‘destaca’ a estrutura das superestruturas, recolocando assim em vigor o dualismo teológico e afirmando um ‘deus oculto-estrutura’, não é exata e não é, tampouco, uma invenção muito profunda… Não é verdade que a filosofia da práxis ‘destaque’ a estrutura das superestruturas; ao contrário, ela concebe o desenvolvimento delas como intimamente relacionado e necessariamente inter-relativo e recíproco. Tampouco a estrutura é, nem mesmo por metáfora, comparável a um ‘deus oculto’: ela é concebida de uma maneira ultra-realista, a tal ponto que pode ser estudada com os métodos das ciências naturais e exatas; aliás, precisamente por esta sua ‘consistência’ objetivamente controlável, a concepção da história foi considerada ‘científica’. Será que a estrutura é concebida com algo imóvel e absoluto, ou, pelo contrário, como a própria realidade em movimento? A afirmação das Teses sobre Feuerbach, de que ‘o educador deve ser educado’, não coloca uma relação necessária de reação ativa do homem sobre a estrutura, afirmando a unidade do processo do real? O conceito de ‘bloco histórico’, construído por Sorel, apreende plenamente esta unidade sustentada pela filosofia da práxis.” (Gramsci, 1981: 262-263).

Restabelecida a unidade, é possível distinguir os dois momentos que a constituem. Mas isto implica numa abstração, realizada pelo pensamento e com fins didáticos, de um fenômeno que ocorre, na realidade, de forma indissoluvelmente unida. Assim o explica Gramsci:

“A análise destas afirmações, creio, conduz ao fortalecimento da concepção de ‘bloco histórico’, no qual justamente, as forças materiais são o conteúdo e as ideologias são a forma – sendo que esta distinção entre forma e conteúdo é puramente didática, já que as forças materiais não seriam historicamente concebíveis sem forma e as ideologias seriam fantasias individuais sem as forças materiais…” (Gramsci, 1981: 63).

Gramsci procura evitar a simplificação que consiste em “desmascarar” as ideologias, reduzindo-as a “aparências” e as mostra como um poder real que leva os homens a atuar de certa maneira e que se integra na unidade social:

“É necessário, por conseguinte, distinguir entre ideologias historicamente orgânicas, isto é, que são necessárias a uma determinada estrutura, e ideologias arbitrárias, racionalistas, ‘desejadas’. Na medida em que são historicamente necessárias, as ideologias têm uma validade ‘psicológica’: elas ‘organizam’ as massas humanas, formam o terreno sobre o qual os homens se movimentam, adquirem consciência de sua posição, lutam, etc… Recordar a freqüente afirmação de Marx sobre a ‘solidez das crenças populares’ como elemento necessário de uma determinada situação. Ele diz mais ou menos isto: ‘quando esta maneira de conceber tiver a força das crenças populares’, etc. outra afirmação de Marx é a de que uma persuasão popular tem, na maioria dos casos, a mesma energia de uma força material (ou algo semelhante), o que é muito significativo” (Gramsci, 1981: 62-63).

Com isto, Gramsci revela a importância política da ideologia e das formas culturais, mas sem reduzi-la a uma mera manifestação imediata do predomínio econômico e social de uma classe e, sim, como a resultante de um esforço permanente desta, que visa à criação de um consenso. Desta forma, em seu pensamento, os momentos da reflexão e da ação, da teoria e da prática, são inseparáveis, de modo que, tão ou mais importante que a criação de formas culturais, é a sua difusão:

“Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas ‘originais’; significa também e, sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas, ‘socializá-las’, por assim dizer; transformá-las, portanto, em base de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral. O fato de que uma multidão de homens seja conduzida a pensar coerentemente e de maneira unitária a realidade presente é um fato ‘filosófico’ bem mais importante e ‘original’ do que a descoberta, por parte de um ‘gênio filosófico’, de uma nova verdade que permaneça como patrimônio de pequenos grupos intelectuais” (Gramsci, 1981: 13-14).

Assim, a “ideologia” mostra a sua eficácia na prática, por sua capacidade de organizar a conduta humana.

A concepção gramsciana de política é ampla, não se reduzindo à luta pela conquista do Estado, mas mesmo este já é entendido de forma abrangente: “(…) Estado é todo o complexo de atividades práticas e teóricas com as quais a classe dirigente justifica e mantém não só o seu domínio, mas consegue obter o consentimento ativo dos governados (…)” (Gramsci, 1968: 87).

Este conceito amplo corresponde à função de hegemonia. Gramsci especifica mais este ponto de vista formulando a idéia de que a supremacia de um grupo social se manifesta em dois momentos: como poder de dominação e como direção intelectual e moral. O primeiro momento corresponde ao Estado, entendido aqui em sentido restrito, e o segundo a hegemonia. Esta separação é de natureza metodológica e não orgânica, pois, na realidade, os dois momentos aparecem em unidade dialética. Tal unidade, que constitui o bloco histórico, é ressaltada por Gramsci quando se utiliza do conceito de Estado, não mais em sentido restrito, mas em sentido integral, abarcando a “ditadura mais a hegemonia”. “Deve-se notar que na noção geral de Estado entram elementos que também são comuns à noção de sociedade civil (neste sentido, poder-se-ia dizer que Estado = sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia revestida de coerção)” (Gramsci, 1968: 149).

Por outro lado, se a função de dominação/coerção é indispensável, a função de direção também o é, e pode, inclusive, anteceder o momento de dominação. Com relação a esta questão, Gramsci deteve-se particularmente, trazendo contribuições fundamentais no papel dos intelectuais.

“(…) eu amplio muito a noção de intelectual, não me limitando à noção corrente que se refere aos grandes intelectuais. Este estudo leva também a certas determinações do conceito de Estado, que comumente é entendido como Sociedade política (ou ditadura, ou aparelho coercitivo para amoldar a massa popular ao tipo de produção e à economia de dado momento) e não como equilíbrio da Sociedade política com a Sociedade civil (ou hegemonia de um grupo social sobre a sociedade nacional inteira exercida através das chamadas organizações privadas, como a Igreja, os sindicatos, as escolas, etc.), e justamente na sociedade civil em particular operam os intelectuais.” (Gramsci, 1966:.224)

Assim, aos intelectuais estaria reservada a função de construir a homogeneidade de uma classe ou grupo social e o exercício da direção moral e intelectual, não apenas no interior de uma classe, mas para o conjunto da sociedade, na busca da produção e obtenção de consenso. Na perspectiva gramsciana há uma distinção entre dois tipos de intelectuais: os tradicionais e os orgânicos. Os primeiros estão vinculados à determinada classe tradicional remanescente de formação social precedente, que não ocupa uma posição fundamental na nova situação histórica.  Denominando de “tradicionais”, Gramsci criticava a filosofia idealista na qual os intelectuais, pela própria concepção da realidade, consideravam-se um grupo à parte do “grupo social dominante”.

“Cada grupo social ‘essencial’, contudo, surgido na história a partir da estrutura econômica anterior e como expressão do desenvolvimento dessa estrutura econômica, encontrou – pelo menos na história que se desenrolou até nossos dias – categorias intelectuais preexistentes, as quais apareciam, aliás, como representantes de uma continuidade histórica que não fora interrompida nem mesmo pelas mais complicadas e radicais modificações das formas sociais e políticas” (Gramsci, s/d: 8)

Os intelectuais orgânicos, por outro lado, estão ligados às classes fundamentais da formação social emergente.

“Cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo e de modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no político (…)” (Gramsci, s/d: 7)

Os intelectuais, contudo, não têm necessariamente a mesma origem social das classes fundamentais que representam. Ou seja, não se definem por sua origem de classe, mas pela posição de classe que assumem, pelo lugar ocupado e pela função que desenvolvem. O intelectual orgânico deve estar diretamente relacionado com a vida prática, deve ser um “persuasor permanente”. O processo de transformação social requer, assim, “intelectuais políticos qualificados, dirigentes, organizadores de todas as atividades e funções inerentes ao desenvolvimento orgânico de uma sociedade integral” (Gramsci, s/d: 17).

Para Gramsci, uma classe que pretende tornar-se ou manter-se hegemônica deve ter como perspectiva principal, criar seus próprios intelectuais orgânicos e lutar pela conquista ideológica dos intelectuais tradicionais.

“Uma das mais marcantes características de todo grupo social que se desenvolve no sentido do domínio é a sua luta pela assimilação e pela conquista ‘ideológica dos intelectuais tradicionais, assimilação e conquista que são tão mais rápidas e eficazes quanto mais o grupo em questão elaborar simultaneamente seus próprios intelectuais orgânicos.” (Gramsci, s/d: 12)

Por outro lado, a organicidade dos intelectuais não deve ser vista como um vínculo imediato com a estrutura econômica. Há uma autonomia relativa dos intelectuais, principalmente os chamados “grandes intelectuais”, com relação às classes fundamentais de que são orgânicos.

“A relação entre os intelectuais e o mundo da produção não é imediata, como ocorre com os grupos sociais fundamentais. Mas é “mediatizada”, em diversos graus, por todo o contexto social, pelo conjunto das superestruturas do qual os intelectuais são precisamente os “funcionários”. Poder-se-ia medir a “organicidade” dos diversos estratos intelectuais, sua mais ou menos estreita conexão com um grupo social fundamental, fixando uma gradação das funções e das superestruturas de baixo para cima (da base estrutural para cima)”. (Gramsci, s/d:13).

Para Gramsci, o intelectual pode ser uma pessoa, um grupo, uma instituição ou uma organização. São todos aqueles que por diferentes motivos pretendem criar condições favoráveis de opinião teórica e prática às suas teses e mantêm posições atuantes nos debates. Os intelectuais como agentes desse processo são, em sentido amplo, definidos como o conjunto daqueles que de alguma maneira desempenham ações na formulação, direção, educação e organização em qualquer esfera da sociedade, e não apenas naquelas tradicionalmente restritas ao mundo intelectual. Assim, por exemplo, os engenheiros estarão sendo considerados aqui como intelectuais, no sentido gramsciano.

“Ampliando” o Estado imperial brasileiro

Poucos são os estudos sobre o Estado Imperial brasileiro que dialogam com as concepções teóricas gramscianas. Talvez não seja coincidência que grande parte da historiografia referente ao Império brasileiro desconsidere a importância do processo de “ampliação” do Estado no Brasil a partir do século XIX. A sociedade civil, quando aparece, deixa de ser um espaço da luta, um momento que Gramsci entendia como integrante do “Estado ampliado”.  A incompreensão teórica sobre o nexo entre a sociedade civil e a sociedade política, isto é, sobre o Estado, hegemonia e noção ampliada de intelectual, tem contribuído para difundir uma leitura enviesada da construção do Estado no Brasil.

Apesar das controvérsias historiográficas sobre as características da classe dominante nesse período, é certo que a hegemonia[5] pertencia aos proprietários de terras e de escravos, mais especificamente aos fluminenses, que se fizeram em comunhão com o aparato estatal. A classe dominante do império – formada basicamente por proprietários de terras e de escravos, setores ligados ao complexo agroexportador, comerciantes, negociantes e um conjunto de intelectuais que, juntos, deram a solda necessária para que os interesses de uns se conjugassem aos interesses dos outros – comandava o projeto político e ideológico na formação social brasileira. E, além disto, a classe dominante detinha um papel importante na manutenção e expansão dos seus interesses econômicos pela própria condução dos negócios políticos e administrativos do Estado Imperial. Compondo um bloco no poder[6], cada uma das diversas frações possuía suas especificidades no que diz respeito à posição que ocupava na produção, nos interesses políticos que defendia, em seus aspectos culturais e nas alianças que preferencialmente costurava. No entanto, a natureza desta classe dominante permitia a construção de pontos de coesão que criavam uma identidade reveladora de experiências comuns. Estas experiências propiciavam um reconhecimento entre as frações diante de objetivos comuns e assim construíam alguma identidade de classe.

Ao final dos anos 70 do século XIX, a correlação de forças que sustentava a monarquia brasileira passou a demonstrar sinais de fraqueza e suas atitudes tendiam a um certo isolamento. Avizinhava-se a privação da mão-de-obra escrava e uma desestruturação do modelo econômico. Os novos setores produtivos, surgidos da modernização das atividades econômicas, tinham interesses diversos, o que tornou o processo cada vez mais intrincado.

As reformas implantadas já não eram suficientes para calcificar as fraturas. Aliás, estavam expostas demais e as soluções encontradas só acentuavam as feridas. Os setores médios urbanos mobilizavam-se e as novas frações da classe dominante articulavam-se, buscando alianças que as colocassem em posição de assumir a condução do Estado brasileiro. A crise de hegemonia encontra a crise política. Não sem razão. O ano de 1880 começa com uma revolta popular e termina com a criação do Clube de Engenharia. Sintomas e elementos dessa crise e da ampliação do Estado Imperial brasileiro.

Observando tal complexidade, podemos perceber a importância da ação institucional organizada dos vários grupos sociais articulados a esse processo. No Rio de Janeiro, instalaram-se e atuaram, ao longo da segunda metade do século XIX em diante, diversas organizações da sociedade civil. Várias delas foram decisivas na elaboração de importantes formulações, ao mesmo tempo em que as principais propostas apresentadas revelavam os interesses específicos dos grupos sociais e frações de classe que cada uma representava.

É nesse momento que surge o Clube de Engenharia, fundado em 24 de dezembro de 1880, num sobrado de uma casa comercial da Rua do Ouvidor. Em março do mesmo ano já havia sido fundada a Associação dos Engenheiros no Comércio do Rio de Janeiro, o que demonstra a intenção de se institucionalizar as relações dos engenheiros com outros grupos sociais.

A trajetória do Clube de Engenharia foi construída pela determinação em reunir engenheiros e representantes dos “vários ramos industriais” em torno de objetivos comuns. Sendo uma associação que procurava unir pensamento à ação, desde o seu início demonstrou o firme propósito de associar a engenharia à indústria[7].  Tal união se tornara característica definidora da associação, bem como o maciço contingente desses profissionais entre seus sócios configurou um perfil institucional. Muitos sócios do Clube se autodenominavam “capitalistas”, “proprietários de estabelecimento industrial” ou “negociantes”.

O Clube de Engenharia tinha a tarefa de organização e de representação de interesses dos engenheiros, exercendo influência significativa junto à “sociedade política”, já que seus membros pertenciam às diferentes instâncias de poder, além de representar vários setores da economia nacional, cujas perspectivas já não se coadunavam, no todo, com os do Estado monárquico. Ao longo da última década do século XIX, passando pela década seguinte, o Clube de Engenharia iria se consolidar como uma das principais associações de classe e profissional do Brasil, cuja atuação foi decisiva no processo de transformações daquele período, o que demonstra a capacidade de inscrição de suas formulações junto à sociedade política.

Nesse processo, a administração pública misturava-se aos interesses particulares da classe dominante. A “modernização” do Estado estava intimamente relacionada aos interesses dessas classes que, por sua vez, fortaleciam o poder da administração central. Atuando em conjunto, a atividade dos engenheiros referendava essa ideologia “civilizatória” e de “progresso”.

Desta maneira, torna-se importante destacar os grupos sociais com ligações privilegiadas às atividades urbanas [8], o papel fundamental que exerceram na definição dos rumos políticos e econômicos brasileiros, devido à complexidade de nossa história, que não pode ser limitada a plantation açucareira e cafeeira. A ação desses agentes possibilitou que parte da acumulação mercantil fosse reaplicada aqui mesmo, além da diversificação de suas atividades e a transferência dos negócios urbanos para o investimento em terras. Nas décadas finais do século XIX, parte das fortunas agrárias foi transformada em dinheiro e em apólices públicas[9].

A atuação dentro do campo profissional em formação da engenharia civil esteve, durante a metade final do século XIX, estreitamente ligada à ação política das frações da classe dominante no segundo reinado[10] e, com isso, a influência dos engenheiros junto aos dirigentes da nação foi aumentando consideravelmente. Mesmo diante das mudanças na formação social brasileira e da ascensão de novas frações ao poder, os engenheiros foram mantendo e ampliando sua esfera de influência. O conhecimento desses homens os habilitava a exercer funções em diferentes instâncias de poder. Perceberam a importância de atuar de forma mais decisiva no cenário político, mobilizando-se em prol de alternativas para questões específicas da profissão. Construíram sua base dentro do campo intelectual para que nele fossem definidas as regras para a formação acadêmica, pois isto lhes garantiria a titulação necessária ao exercício da profissão e, também, as regras de atuação dentro do próprio campo.

O campo intelectual[11], do qual os engenheiros brasileiros faziam parte, tomou forma na metade final do século XIX. A reformulação da Escola Central e sua posterior transformação em Politécnica, a fundação de associações profissionais e a publicação de periódicos técnicos especializados são fatores que contribuíram para definir atribuições, dar legitimidade ao grupo e, também, construir alianças com outros grupos sociais. Como observou Sonia Regina de Mendonça:  

“… seria de sua autoridade profissional em áreas basicamente relacionadas à modernização técnica, que passaria a derivar-se um novo fundamento para o acesso ao poder, revelando-se sua competitividade no campo político. Semelhante autoridade lhe seria conferida, justamente, pelas instituições responsáveis por sua profissionalização: as Politécnicas. Estas procuravam incutir no futuro profissional o habitus do dirigente no exercício de suas funções, papel legitimado pela peculiaridade de sua formação específica; o engenheiro seria o agente mais apto a dirigir projetos, racionalizar a organização do trabalho e, por seu trato com subalternos, saber mandar.” (Mendonça, 1992).

Na sociedade civil que se aprofundava, a práxis institucional do Clube de Engenharia como “aparelho privado de hegemonia”, consolidava-se definitivamente como a via por excelência de participação e influência do grupo social ali representado [12].

Pensando na estreita relação estabelecida entre engenheiros e grupos representantes da “indústria nacional” e no papel assumido por eles na condução de suas disputas em torno do Estado, vislumbramos a possibilidade de pensar como o Clube de Engenharia assume a função de “partido”, nos moldes em que propõe Gramsci: uma formação ideológica de um grupo social à qual se liga organicamente. Esta classe pode se expressar e se organizar por meio do partido, pois este se apresenta como um instrumento de obtenção/manutenção de poder e é, também, uma forma de disseminar sua concepção do mundo.

Antonio Gramsci distingue duas formas de partido: o político e o ideológico. O partido ideológico está dentro do conjunto dos aparelhos privados de hegemonia – imprensa, círculos, associações, clubes. O partido tende a transformar cada indivíduo em intelectual, mais especificamente em dirigente, ou seja, intelectual capaz de desempenhar sua “função diretiva e organizativa, isto é, educativa ou intelectual”. Ainda segundo Gramsci, esta transformação é função primordial do partido, construindo seus próprios membros mediante “elementos de um grupo social nascido e desenvolvido como ‘econômico’, até transformá-los em intelectuais políticos qualificados, dirigentes, organizadores de todas as atividades e funções inerentes ao desenvolvimento orgânico de uma sociedade integral, civil e política” (Gramsci, 2000: 349-350).

Gramsci pergunta se “Será necessária a ação política (no sentido estrito) para que se possa falar de “partido”? Observa-se que no mundo moderno, em muitos países, os partidos orgânicos e fundamentais se dividiram, por necessidade de luta ou por qualquer outra razão, em frações que assumiram o nome de “partido” e, inclusive, de partido independente. Por isso, muitas vezes o Estado-Maior intelectual do partido orgânico não pertence a nenhuma das frações, mas opera como se fosse uma força dirigente superior aos partidos e às vezes reconhecida como tal pelo público. Esta função pode ser estudada com maior precisão partindo-se do ponto de vista que um jornal, uma revista, são também eles “partidos”, “frações de partidos” ou “funções de um determinado partido” (Gramsci, 1968: 22-23).

Portanto, no Estado brasileiro que se ampliava ao longo da segunda metade do século XIX, uma das maneiras possíveis de pensar o Clube de Engenharia é como “partido ideológico”, constituído como “intelectual coletivo”. O Clube de Engenharia adotou questões específicas das frações de classe que procurava representar e, ao unificar interesses e difundir visões de mundo, atuou como dirigente, possibilitando a inserção dessas frações em diferentes esferas de poder. Foi responsável pela organização, representação e institucionalização – tanto no âmbito da sociedade civil quanto no da sociedade política – dos interesses de determinados grupos sociais, ao unificar interesses e difundir visões de mundo, atuou como “partido”.

Destacam-se assim, importantes questões advindas da ação institucional dos diversos grupos sociais que se consolidaram com a passagem do século XIX ao XX, que possibilitam pesquisas e análises dos novos grupos profissionais e proprietários que construíam seu locus no “bloco no poder” naquele momento. Com a organização de seus interesses mediante os aparelhos privados de hegemonia, e a pressão por sua inscrição frente a determinados organismos do poder, tenderam a constituir um peso significativo na correlação de forças vigente. Aos poucos, o “Centauro Imperial” tornava-se realidade.

Bibliografia citada

BOURDIEU, Pierre. “Campo intelectual e projeto criador”. In: Jean Pouillion et al. Problemas do Estruturalismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.

CURY, Vânia Maria. Engenheiros e empresários: o Clube de Engenharia na gestão de Paulo de Frontin (1903-1933). 2000. 358f. Tese. Universidade Federal Fluminense, 2000.

FRAGOSO, João Luís. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

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[1] Publicado em MENDONÇA, Sônia (org.). Estado e Historiografia no Brasil. Niterói: EdUFF, 2006, p. 55-70.
[2] Tese de doutorado defendida na UFF com o título: “Ampliando o Estado Imperial: Os engenheiros brasileiros e a organização da cultura no Brasil Oitocentista”.
[3] Na pesquisa em andamento já citada, procuramos abordar como se constituiu historicamente esse grupo, relacionando-o ao momento histórico em que estavam inseridos. Ao estudar os engenheiros como grupo, não se está com isso subestimando as suas diferenças e especificidades. Procura-se integrar no estudo, seus antagonismos, distinções e controvérsias e, ao mesmo tempo, compreende-se a possibilidade de analisá-los como um “movimento político” de elaboração de uma identidade própria, de organização, institucionalização de interesses e construção de um saber específico, cujo desempenho lhes conferia credenciais para o acesso a postos chaves de poder.
[4] (Portantiero, 1977: 68).
[5] Tendo em vista as diversas “leituras” possíveis para a concepção de hegemonia em Gramsci – muitas, inclusive complementares – Thompson cita uma específica ao momento de “direção”: “Por hegemonia, Gramsci parece indicar uma situação sociopolítica (em sua terminologia, um “momento”) em que a filosofia e a prática de uma sociedade se fundem ou estão em equilíbrio, uma ordem em que um certo modo de viver e pensar é dominante, em que um conceito é, de ponta a ponta, difundido em uma sociedade em todas as suas manifestações institucionais e privadas, informando com este espírito todo o gosto, moralidade, costumes, princípios políticos e religiosos e todas as relações sociais, particularmente em sua conotação moral e intelectual, o que implica, por fim, um elemento de direção e controle, não necessariamente consciente”. Apud (Thompson, 2001: 147). É importante destacar que a “hegemonia/direção” tem se configurado, no Brasil, muito mais “(…) de um grupo com referência a seus iguais – ainda que em situações historicamente diferenciadas de disputa e conflito, ao longo do tempo – do que com referência a seus “outros” (não-iguais)…”. (Mendonça, 2002).
[6] Théo Piñeiro, ressaltada a importância de que, em se tratando da classe dominante e Estado no Império Brasileiro, mais apropriado “seria entender a existência de um bloco no poder, […] o que nos permitiria uma apreensão melhor da natureza e a dinâmica desse estado”. (Piñeiro, 2002: 9)
[7] “(…) longe de representar um conceito restrito, ligado à produção fabril, especificamente, a idéia de indústria incorporada ao Clube de Engenharia (…) possuía uma amplitude extraordinária, ligando-se tanto à atividade manufatureira em si, quanto à agricultura, à pecuária e ao extrativismo, de um modo geral, assim como ao comércio, À construção civil e às obras de infra-estrutura.“(…) suas [Clube de Engenharia] concepções abrangentes acerca da “indústria brasileira” diziam respeito a todas as formas de produção e trabalho, nas quais a engenharia pudesse ser efetiva. De fato, o componente decisivo na delimitação desse conceito era o próprio campo de atuação dos engenheiros. (Cury. 2000: 92 e 100).
[8] “Grupos ligados às atividades urbanas, que não podem ser entendidas como meros apêndices da produção escravista para exportação, mas que se integram na lógica de reprodução da economia, principalmente aquelas ligadas à circulação de mercadorias, que se integram às diferentes formas de produção”. (Piñeiro. 2001: 122). Théo Lobarinhas Piñeiro entende Negociante como “o proprietário de capital que, além da esfera da circulação, atua no abastecimento, no financiamento, investe no tráfico de escravos, o que permite que controle setores chaves da economia, inclusive na produção escravista, face ao papel que desempenha no crédito e no fornecimento de mão-de-obra. (…) Atua tanto na atividade comercial, como pode ser encontrado na manufatura, nas casas bancárias, companhias de seguro, bancos, etc”. (Piñeiro. 2001: 124).
[9] Cf. (Fragoso, 1998).
[10] Cf. (Marinho, 2002).
[11] A partir da noção de campo intelectual podemos compreender a dinâmica dos engenheiros: “… é na medida em que faz parte de um campo intelectual em referência ao qual se define e se constitui seu projeto criador, na medida em que, se quisermos, ele é o contemporâneo daqueles com quem se comunica e aos quais se dirige através de sua obra, recorrendo implicitamente a todo um código que possui em comum com eles – temas e problemas na ordem do dia, maneira de pensar, formas de percepção, etc. – que o intelectual é situado histórica e socialmente. Suas escolhas intelectuais ou artísticas as mais conscientes são sempre orientadas por sua cultura e seu gosto, interiorizações da cultura objetiva de uma sociedade, de uma época ou de uma classe”. (Bourdieu. 1968: 136).

[12] “Em especial sua cúpula dirigente demonstrou uma consciência plena da necessidade de participar ativamente das arenas políticas, onde se travavam os embates entre os diversos grupos de interesse, que disputavam os recursos públicos para investimento e as esferas de influência para alcançá-los. Sua visão (…) foi tão longe, que chegou a consolidar a posição da instituição como um dos principais interlocutores do poder público em matérias concernentes à infra-estrutura e à engenharia, de maneira geral”. (Cury, 2000).

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